Eventos denominados “marchas da maconha” têm se tornado cada vez mais comuns e arregimentado um número cada vez maior de pessoas. Essas manifestações já foram proibidas em diversas cidades, incluindo Belo Horizonte, São Paulo, Brasília e Curitiba. Com as proibições, as passeatas passaram a pedir liberdade de expressão além da legalização da droga e a decisão sobre permitir ou proibir esses eventos coube ao STF, que tomou uma decisão no mínimo arriscada.
No 2º parágrafo do artigo 33 do capítulo dois da lei nº 11.343 de 2006, está estabelecido que “Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga” é crime com pena de detenção de 1 a 3 anos e multa. O mesmo artigo traz ainda que "entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente" é crime com pena de reclusão de 5 a 15 anos e multa.
No parágrafo 3º do artigo 140 do código penal, que trata dos crimes de injúria, está previsto que, “a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição” acarretam pena de 1 a 3 anos de reclusão e multa. O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/2006, propõe a equiparação dos atos de preconceito pela orientação sexual e identidade de gênero aos previstos na Lei 7.716/89.
O código penal traz ainda, no artigo 287, que “fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime” é crime com pena de detenção de três a seis meses ou multa e, em seguida, no artigo 288 que “associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes” é crime com pena de reclusão de um a três anos.
O descrito no artigo 287 serve como base para a proibição, no Brasil, por exemplo, da formação de partidos de caráter fascista (que atacaria ideologicamente a democracia e os direitos individuais) ou pior, nazista (que atacaria ideologicamente parcelas específicas da população, além dos direitos individuais e da democracia), de manifestações públicas racistas ou que incentivem a prática de crimes de ódio, como manifestações contra homossexuais e outras atitudes que sirvam de apologia ao crime ou ao criminoso e que, com tal proibição, objetivam proteger a ordem, a segurança e o bem-estar da população.
Com esse argumento, então, mutila-se, para um bem maior, a liberdade de expressão, um dos princípios democráticos. No entanto, opondo-se à lógica dessa salva-guarda, o STF, em decisão unânime, liberou a realização de eventos como a “marcha da maconha”, que tem como objetivo a descriminalização da droga. Na sessão, os ministros disseram que “[a liberdade de expressão] é um fator relevante da construção e do resguardo da democracia, cujo pressuposto indispensável é o pluralismo ideológico” e os procuradores afirmaram que “defender a descriminalização de certas condutas previstas em lei como crime não é fazer apologia do fato criminoso ou de autor de crime”.
Acompanhando o raciocínio, inundaram a reunião com frases e discursos defendendo a liberdade de expressão. Todos de acordo, então, votaram pela liberação dessas manifestações. Ficava ali definido que qualquer lei poderia ser questionada publicamente em manifestações de qualquer alcance, para pressionar pela mudança das normas que, teoricamente, regem a justiça brasileira. Ali, o direito, como mecanismo de controle social foi apunhalado, afinal, a liberdade de expressão é o objetivo de ouro da nação.
Num breve exercício de imaginação, forma-se na tela da mente a “marcha do roubo de carro”, em que vários ladrões e outras pessoas insatisfeitas com o direito de propriedade passeariam com cartazes gritando pela descriminalização desse ato. Uma menor parcela da classe política, muito mal intencionada, acompanhada de profissionais da máquina pública que queriam aumentar sua renda e de outras pessoas que acreditam que o suborno facilita e agiliza o funcionamento do Estado se juntariam para a “marcha da propina” e por aí vai. Na tela da mente formam-se várias agremiações de insatisfeitos com a ordem atualmente estabelecida e que quereriam, por diversos motivos, lançar mão do sagrado exercício da liberdade de expressão para questionar o que é lícito e o que é ilícito.
Ingenuamente, o Estado brasileiro assistiria (tanto no sentido de observar quanto no sentido de dar suporte, parando o trânsito, garantindo a segurança dos manifestantes e etc.) a essas passeatas ou marchas, acreditando que aquela manifestação não incentivaria à prática por ela defendida. E assim, seguiriam arregimentando pessoas para as suas causas com a aprovação e o auxílio dos órgãos do governo. Para a tristeza da maioria da população que não tem conexão com roubos, propinas nem nenhum outro ato ou substância ilícita, a frouxidão inundaria o Estado brasileiro transformando-o num colosso permissivo.
No Brasil, é comum que o conteúdo oficial careça de conexão com a realidade ou que as decisões, antes de atenderem à critérios racionais e técnicos sejam tomadas com finalidade publicitária ou eleitoreira. As pressões públicas (não as exercidas pela maior parte da população e sim aquelas que têm notoriedade, como no caso da “marcha da maconha”) têm grande poder político e, numa república em que a separação dos poderes não é tão nítida, o judiciário, na figura do STF, não se furta de abocanhar as funções do legislativo criando, inconseqüentemente, precedentes perigosos para a segurança do Brasil.
Que, no futuro, os representantes da vontade da nação sejam mais prudentes no exercício do seu trabalho e/ou que, numa rara exceção à tradição histórica, os verdadeiramente bem intencionados, saiam às ruas para lutar pelo que é certo.
PENSAMENTO:
“E, na verdade, toda a correção, ao presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas depois produz um fruto pacífico de justiça nos exercitados por ela.”
NOTAS IMPORTANTES:
1 - Quando vier a “marcha do assassinato” é melhor mudar de país.
2 - No meio da discussão para a legalização da já citada marcha, lembraram bem que FHC já defendeu abertamente a legalização da maconha. Ninguém falou nada e não censuraram seu discurso. Por que?
3 - Esse texto não tem como objetivo debater os efeitos positivos ou negativos da legalização da maconha.
João Augusto Microni Quites (joaoaugustomq@gmail.com)
quinta-feira, 21 de julho de 2011
Assinar:
Comentários (Atom)